Não é segredo, conforme já publicamos aqui em outros momentos, que a taxa de homicídio no RN apresenta elevação significativa. O caso mais emblemático é o da cidade de Mossoró que já superou os números de 2010 no nono mês de 2011 (143 assassinatos em 2011 contra 124 em 2010).
O aumento da estatística tratada é grave e merece ser estudado como um fenômeno complexo, que é síntese de múltiplas determinações. Não é possível enfrentar um cenário como este com explicações simplistas como as que foram concebidas por um especialista da Polícia Militar do RN a Tribuna do Norte.
Segundo ele, em entrevista ao já citado periódico, explanando sobre as razões do crescimento dos homicídios na segunda cidade do RN, “há casos em que um só homicida realizava de 10 a 15 crimes sozinho. E em 99% das mortes registradas a gente tem a confirmação de que havia envolvimento dessa pessoa com o tráfico”.
A explicação, além de descabida, é preconceituosa. Descabida porque não é verdade que 99% dos assassinatos se relacionam com o tráfico de drogas, pois, conforme Mapa da Violência, publicado em 2011 pelo Ministério da Justiça em parceria com o Instituto Sangari (http://www.sangari.com/mapadaviolencia/), o Brasil ainda tem nos assassinatos por motivos fúteis (brigas de bar, trânsito, discussão entre vizinhos, etc) a sua maior estatística – cerca de 1/3 dos homicídios são desencadeados por estas situações.
E é preconceituosa porque o agente do Estado faz uso de um subterfúgio pré-reflexivo para eximir as instâncias públicas do papel que elas deveriam, pelo menos em tese, desempenhar na diminuição desse índice. Qual é o preconceito? É o de colar no assassinado a culpa pela tragédia pelo qual ele foi acometido.
Se o cidadão foi assassinado por envolvimento com o tráfico de drogas, pronto! Não é preciso fazer mais nada! Afinal, o cidadão foi culpado por ter sua morte decretada por um terceiro, já que levava uma vida de risco. A vítima é a responsável por ter ingressado nessa condição e o Estado não tem nada a ver com isso.
O crime, nesta linha de raciocínio, é justificado e o ente público faz desaparecer o seu papel no desenvolvimento da questão. Tudo que o Estado deixou de fazer (ou efetivamente fez) é apagado – não importa que o governo rosado tenha diminuído a gasolina das viaturas de Mossoró, não interessa que o Estado apresente uma defasagem de policiais, que o governo não pague um salário minimamente decente para os agentes da polícia civil, para o policial Militar e que um delegado se desdobre para cobrir, muitas vezes, dez municípios, o que vale é que o cidadão foi se meter com algo perigoso. “Quem mandou ele ter se metido com o tráfico”, só faltou o representante do governo exclamar.
Em resumo, o Estado esconde a maneira como trata (ou deixa de tratar?!) a segurança pública, incha as estatísticas de uma suposta modalidade de crime e culpa o cidadão por ter se colocado numa situação de extremo perigo.
A levar em consideração a argumentação mobilizada, em que se assassina também a inteligência, não é possível esperar grandes melhoras na questão da violência no RN.
texto publicado em:carta pot!guar com pequena alteração.
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