O fim do “auto de resistência”
Desde o final do ano passado os policiais e especialistas em segurança pública discutem a medida publicada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Presidência da República, que “dispõe sobre a abolição de designações genéricas, como ‘autos de resistência’, ‘resistência seguida de morte’, em registros policiais, boletins de ocorrência, inquéritos policiais e notícias de crime” (Resolução nº 8, de 20 de dezembro de 2012).
Para o Conselho, o termo “auto de resistência” pressupõe, antes de qualquer investigação e comprovação do que ocorreu, que houve resistência por parte do cidadão que foi ferido ou mesmo morto em decorrência da ação policial, daí a mudança para “lesão corporal decorrente de intervenção policial” ou “homicídio decorrente de intervenção policial”. Mas na Resolução não há apenas esta novidade em relação à atuação policial em que há uso da força letal:
III - é vedada a remoção do corpo do local da morte ou de onde tenha sido encontrado sem que antes se proceda ao devido exame pericial da cena, a teor do previsto no art. 6.º, incisos I e II, do Código de Processo Penal;
[...]
XII - até que se esclareçam as circunstâncias do fato e as responsabilidades, os policiais envolvidos em ação policial com resultado de morte:
a) serão afastados de imediato dos serviços de policiamento ostensivo ou de missões externas, ordinárias ou especiais; e
b) não participarão de processo de promoção por merecimento ou por bravura.
[...]
XVI – serão instaladas câmeras de vídeo e equipamentos de geolocalização (GPS) em todas as viaturas policiais;
XVII – é vedado o uso, em fardamentos e veículos oficiais das polícias, de símbolos e expressões com conteúdo intimidatório ou ameaçador, assim como de frases e jargões em músicas ou jingles de treinamento que façam apologia ao crime e à violência
Como se vê, a norma federal tem conteúdo significativamente invasivo em relação aos procedimentos e à cultura operacional das polícias. Não à toa: a omissão do Estado e a permissividade em relação aos abusos cometidos por policiais gerou tal questionamento quanto à verdade por trás da atuação policial, principalmente quando pessoas são mortas/feridas em decorrência desta atuação. É, sim, preciso que os policiais entendam os limites legais de sua atividade, e se insiram em um contexto profissional de excelência e respeito ao próximo – quem já possui este entendimento não se afligirá com o disposto na Resolução.
Por outro lado, é bom ver a disposição do Governo Federal para intervir em assuntos sensíveis às polícias e à segurança pública, e espera-se que este espírito seja mantido, principalmente em observância a medidas que garantam evoluções culturais, estruturais e técnicas nas corporações policiais. Está na hora, por exemplo, de dialogar sobre a perversão trazida pela prática do “bico”, o emprego de segurança particular que policiais realizam para complementação salarial; emprego que só se sustenta na perspectiva da ineficiência da segurança pública. Neste caso, basta o Governo Federal ter boa vontade para se inserir na proposição de medida semelhante à Proposta de Emenda Constitucional nº 300, que garante um piso salarial nacional para as polícias e bombeiros brasileiros.
E não se trata só de salário, mas da discussão sobre regulamentos novos (atualmente as PM’s são regidas por códigos semelhantes ao das Forças Armadas), estruturas administrativas mais adequadas à realidade enfrentada e equipamento e treinamento alinhados com as próprias demandas de uso progressivo da força e direitos humanos.
Esperamos a mesma coragem política para tocar nestes assuntos…
Fonte:
Abordagem Policial
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